segunda-feira, 31 de março de 2014

deste lado, destilado


Chego ao bar e peço o primeiro destilado que vejo no cardápio. Não importa o preço; quero sair de mim, cuspir verdades, soltar os demônios trancafiados nos porões das entranhas e que há tempos precisam receber a luz do sol ou da lua.

Sento à mesa, no meio daquela multidão desimportante que ri de coisas que não merecem minha atenção. Tenho olhos atentos. Por cima da muretinha observei seu carro passar. Branco. Amassado. Fruto de desatenção. Aposto. Algo similar a desatenção que ofereço a multidão desimportante à minha frente agora. 

Tudo ao redor ficou fosco demais pro foco que meus olhos abraçaram. A sequência de goles fica cada vez mais apressada... ao som da boa música conversaremos. Não sei quem dará o primeiro passo, mas darei um jeito de tropeçar em você. 

Sexta cachaça, vigésima ida ao banheiro. “Vamos entrar?” Viro mais uma dose - a sétima. Estou pronta. Caminho como pássaros que pairam rasantes na superfície do mar e rapidamente atravesso a rua. Cheguei. Você me vê, mas continua com aquela postura blasé-receosa, ainda que tenha notado minha presença e eu saiba que algo, ainda que pequeno, causou um reboliço aí dentro (tal como aconteceu por aqui). 

Primeira cerveja, segunda, terceira. Odeio cerveja. Você tinha que ficar justamente próximo do bar? Vamos lá, só mais uma, a quarta. A cerveja já não me desce a garganta. Tudo bem, última tentativa. Estou de costas pra você e sinto como se meus olhos quisessem saltar para a nuca. 

Você me olha, sinto uma força magnética envolvendo meus pensamentos. “Guardanapo?” “Não, não.. brigada!” Pego a quinta cerveja, me viro e desço o degrau com a velocidade de um felino em caça. Ouço a voz que liberta meu nome correndo logo atrás de mim. “Não pode ser...” Era! Olho pra trás e vejo você me esperando com sorriso aberto abraçando os olhos que logo ficaram miúdos, quase fechados. Acho bonito o modo como os seus olhos são abraçados pelas pálpebras. 

“Ora, ora! Tudo bem?” Damos início a uma sequencia de ‘nãoseioquedizermasprecisofalarqualquerbobeiraantesdemedespedirrapidamente’. E com a sensação eterna de que falei (bobeira) demais, deixo a quinta cerveja esquentando sob nossas falas, bem ali entre nós. 

Estou diante de você. Tomo um gole e, mal educada, sequer ofereço. Talvez o nervosismo não me permita raciocinar educadamente ou talvez eu só estivesse em busca de algo mais concreto e que te fizesse se demorar.

Lembro que eu usava um batom vermelho meio carmin que perdeu-se num gargalo qualquer enquanto eu observava seu rosto de perfil. Hoje penso na minha figura meio hébria, ali naquele lugar, palco de tanta música boa e de tantos olhares fugidos e imagino o quanto eu deveria estar estranha. Não que eu não seja (diariamente), mas era a primeira vez que nos víamos desde que você começou a habitar minhas ideias.

Fato estranho é constatar que o álcool pode funcionar como uma capa protetora em alguns momentos. Talvez por isso existam tantos alcoólatras no mundo. Ok, a piada foi péssima. Mas poxa, como a gente nem se conhece e se dá tão bem juntos.

"Kairós desajustados": sofro deste mal há anos. "Mal do século" da minha vida. "Um Karma" ou quantas mais outras nomenclaturas tiver. Ok de novo, além de boba, costumo ser bem exagerada. 

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